Conversas de WhatsApp registradas em agosto de 2022 e
reveladas nesta semana trazem à tona os bastidores de uma das operações do
gabinete clandestino do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal (STF). Nas conversas, entre o então chefe da Assessoria Especial de
Enfrentamento à Desinformação (AEED), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
Eduardo Tagliaferro, e a jornalista Letícia Sallorenzo, conhecida como “Bruxa”,
expõem como os subordinados do magistrado operavam na campanha eleitoral de 2022.
Pelas mensagens, obtidas com exclusividade pelo jornalista
David Ágape, é possível notar como o gabinete clandestino recorria a redes de
informantes e tinha infiltrados até mesmo na Polícia Federal (PF), um órgão
autônomo e independente.
Em 23 de agosto de 2022, Moraes determinou busca e
apreensão contra oito empresários supostamente ligados ao então presidente da
República, Jair Bolsonaro. Na época, setores da imprensa revelaram que o
ministro usou apenas uma reportagem do site do Metrópoles para justificar a
operação. A ação resultou em bloqueio de contas bancárias e suspensão de redes
sociais. Um ano depois, já no governo Luiz Inácio Lula da Silva, a investigação
seria arquivada para a maioria dos alvos. Restaram apenas Meyer Joseph Nigri e
Luciano Hang. O processo segue em sigilo até hoje.
Em meio à troca de mensagens, Letícia Sallorenzo pergunta
se o celular de Meyer Nigri, apreendido na operação, estava sob custódia de uma
“PF confiável”. Tagliaferro confirma que sim, ao sugerir a existência de uma
rede seletiva de delegados e agentes leais ao ministro.
Quem é Letícia Sallorenzo, a
“Bruxa”
Letícia Sallorenzo é jornalista
formada pela UFRJ, mestre em linguística e atualmente doutoranda pela
Universidade de Brasília. Sua pesquisa acadêmica aborda temas como fake
news, manipulação discursiva e estratégias de comunicação.
Nas redes sociais, Letícia ficou
conhecida como “Bruxa”, apelido que ela própria adotou em perfis digitais. O
tom militante, em defesa de ministros do STF e do TSE e contra Bolsonaro,
tornou-a voz ativa no debate público.
Em 2022, durante o auge da
campanha eleitoral, Letícia passou a atuar como colaboradora informal do TSE,
ao manter contato direto com Eduardo Tagliaferro, então chefe da Assessoria
Especial de Enfrentamento à Desinformação. Sua atuação misturava militância
digital, proximidade pessoal com figuras do Judiciário e fornecimento de
informações privadas, o que a colocou no centro das revelações conhecidas como
“Vaza Toga”.
As ilegalidades nos diálogos
1. Falta de legitimidade e
cadeia de custódia
Toda prova em processo judicial
deve respeitar a cadeia de custódia, prevista nos artigos 158-A a 158-F do
Código de Processo Penal.
Isso significa que qualquer
vestígio (como prints, celulares apreendidos ou mensagens) precisa ser
coletado, preservado e rastreado desde a origem até sua apresentação em juízo.
2. Uso de colaboradora externa e
infiltração
Letícia Sallorenzo não tinha
cargo oficial no TSE. Mesmo assim, atuava como assessora informal.
Isso significa que dados
privados de empresários foram entregues diretamente ao gabinete de um ministro,
sem passar por investigações formais.
A prática viola o devido
processo legal e o princípio da impessoalidade administrativa, já que decisões
judiciais não podem se basear em informações de militantes ou informantes
clandestinos.
3. A “PF confiável”
O ponto mais grave aparece
quando Letícia pergunta se o celular de Meyer Nigri estava em posse de uma “PF
confiável”, e Tagliaferro confirma que sim.
Essa frase sugere que havia
dentro da Polícia Federal uma rede paralela de agentes.
Isso fere a imparcialidade da
Polícia Federal, que deve atuar como polícia judiciária da União, e não como
braço de confiança de um magistrado.
Se confirmado que provas foram
manipuladas ou direcionadas por esse grupo, isso pode configurar abuso de
autoridade (Lei 13.869/2019), obstrução de justiça e até falsidade ideológica
(art. 299 do Código Penal).
Revista Oeste