Na última terça-feira, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg,
anunciou o fim do programa de checagem de fatos, em vigor há oito anos para
combater a desinformação. A medida inicialmente valerá para os Estados Unidos,
mas já provoca preocupação de ser replicada por aqui.
“O Trump nem assumiu a Casa Branca e já botou as garras de
fora”, disse ao blog um integrante do governo que acompanha de perto os
desdobramentos da discussão. “O Facebook e o Instagram correm o risco de se
tornarem um novo X.”
Por ora, o governo Lula tem reforçado o posicionamento
público de defender a regulamentação das big techs, que enfrenta resistência no
Congresso, principalmente de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nos
bastidores, integrantes da administração petista já fazem projeções sobre os
efeitos práticos da medida anunciada por Zuckerberg, que podem tornar a empresa
menos cooperativa com as autoridades brasileiras.
Um das consequências é que. com a mudança na postura da
Meta e a eventual implementação da nova política no Brasil, o governo Lula deve
acionar mais a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, braço da
Advocacia-Geral da União (AGU) voltado ao combate à disseminação de fake news
contra políticas públicas ou que prejudiquem a atuação de servidores públicos –
como a difusão de desinformação sobre campanhas de vacinação ou o uso de
inteligência artificial para criar discursos falsos de autoridades, por
exemplo.
Criada no início do atual governo Lula, sob críticas da
oposição, que a chama de “Ministério da Verdade”, a PNDD não tem o poder de
remover unilateralmente fake news, mas pode intimar as redes sociais para que
elas retirem o conteúdo do ar – e até acionar a Justiça para garantir a
exclusão de postagens e a responsabilização civil das plataformas.
Diante de uma postura mais permissiva da Meta, nos
bastidores a avaliação é a de que o órgão vinculado à AGU precisará atuar mais
– e, por tabela, aumentará a judicialização de casos para barrar a disseminação
de notícias falsas nas redes de Zuckerberg, o que também levanta preocupação no
TSE.
“Essa decisão não auxilia a democracia, o respeito à
dignidade humana, às diversidades. É um retrocesso para a humanidade”, diz um
ministro do TSE ouvido reservadamente pela equipe da coluna.
Nas eleições municipais de 2024, Facebook, Instagram,
Threads e WhatsApp assinaram um memorando de entendimento com o TSE prevendo a
adoção de uma série de medidas para combater a disseminação de notícias falsas,
como a criação de uma ferramenta para divulgar informações sobre as eleições.
Mas a nova política de Zuckerberg lança dúvidas sobre a
disposição da empresa de seguir colaborando com o Judiciário brasileiro,
conforme informou o colunista Lauro Jardim. Em vídeo divulgado nas redes
sociais, o executivo bilionário afirmou que “os países latino-americanos têm
tribunais secretos que podem ordenar que as empresas retirem as coisas (das
redes sociais) silenciosamente”, em uma indireta ao Brasil.
Para uma fonte do Judiciário que acompanha de perto as
discussões, “estamos entrando numa realidade distópica”. “Os tribunais seguem
aplicando a lei. Mas é um retrocesso, sem dúvida, a postura da Meta por
substituir uma ação colaborativa por confronto. Vão deixar tudo a depender de
ordem judicial.”
Nesta quarta-feira (8), o Ministério Público Federal cobrou
explicações do Facebook se a nova política de moderação de conteúdos das
plataformas digitais da Meta serão aplicadas também no Brasil. O MPF também
quer esclarecimentos sobre eventuais mudanças que eventualmente sejam
implantadas no Brasil e a partir de quando elas entrariam em vigor.
No comunicado divulgado na última terça-feira, a Meta
afirmou que “começando pelos Estados Unidos, estamos encerrando nosso programa
de verificação de fatos via parceiros e migrando para um modelo baseado em
notas da comunidade”. É um modelo similar ao adotado pelo X de Elon Musk, em
que os próprios usuários elaboram notas ou correções das postagens que possam
conter informações falsas ou enganosas.
Para Zuckerberg, o sistema atual de checagem de fatos da
empresa “chegou a um ponto em que há muitos erros e censura demais”, mas para
as autoridades brasileiras, a avaliação é a de que o novo sistema vai tornar as
plataformas da Meta um “faroeste digital”.
Na avaliação do advogado Diogo Rais, professor de direito
digital do Mackenzie, a nova postura da Meta representa um retrocesso.
“A pior parte talvez seja o sinal que ele traz com a
questão da confiança. Um dos motivos que Zuckerberg alega é que os checadores
não construíram a confiança necessária e que, na verdade, destruíram essa
confiança devido aos vieses ideológicos. Isso é muito grave e traz nos diversos
recados do pronunciamento uma forma de se aliar ao do presidente eleito dos
Estados Unidos, mudando toda uma política na qual de alguma maneira favorece o
chamado mercado livre de ideias”, critica Rais.
“É como se a própria comunidade tivesse condições de se
autorregular, mas o que a gente tem visto é que as experiências nesse sentido
têm piorado o ambiente digital.”